Os desafios da agrofloresta urbana: as falácias do discurso da segurança e da estética - Parte 2

Quem tem medo da floresta?

O discurso da segurança, segundo obstáculo destacado, muitas vezes também começa ou passa pela questão da matéria orgânica. Temos medo de "bichos". Em solos cobertos não dá para ver os "bichos". Logo, deixamos sempre a terra por onde andamos "limpa", degradando-as, criando ambientes de escassez. Porém, os tais "bichos", que podem ser nocivos para nós, são justamente de ambientes de escassez. Nossos ambientes, sem matéria orgânica, ficam pobres de recursos. Cobras, aranhas e escorpiões venenosos são em sua grande maioria provenientes desses ambientes. Animais de pequeno porte de ambientes carentes, que tem o veneno como sua defesa. Você chega numa área de escassez, um pasto de braquiaria por exemplo, encontra jararacas e cascavéis. Você chega em um ambiente de abundância, uma floresta de animal de grande de porte (que por sinal deveria ser o nosso habitat), encontra caninanas e jibóias (cobras de grande porte sem veneno).

Covardemente varremos o chão, e consequentemente nos distanciamos do paraíso da abundância. O ser humano moderno, que se julga a forma de vida mais inteligente, cria sua própria cova movido pelo medo; vive em uma floresta de concreto e aço, como consequência vai ter que viver com ar condicionado, repelente, fumacê, RAID, etc., pois, de acordo com o ambiente que criamos, nossos vizinhos serão baratas, mosquitos, ratos e todos os outros "indesejáveis". Mas relaxa, tá tudo limpinho e bem seguro! Só que não.

Temos medo de outras formas de vida, temos medo de floresta. Basta reparar nas inúmeras narrações hollywoodianas que quase sempre colocam a floresta como um ambiente sombrio e perigoso. Isso nos distância do ambiente que naturalmente deveríamos estar inseridos. Queremos nos des-envolver daquilo que naturalmente nos envolve. O não fazer parte, leva a um isolamento. Queremos estar isolados como espécie. Não tecemos a teia da vida. Não seguimos os fluxos naturais do todo. O que estamos fazendo aqui? Sem sentido e propósito, ficamos deprimidos e deixamos de cumprir nossas funções.

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Logo, se a floresta representa perigo e o Rio de Janeiro possui a maior floresta urbana do mundo, a violência é culpa das árvores? Se a culpa da violência é a sombra das árvores, porque não as cortamos? Quem sabe o RJ não encontraria a paz. Infelizmente, o problema é bem mais complexo que isso.

Entendo que realmente seja mais difícil monitorar uma área arborizada do que uma área descampada. Mas isso não significa que temos que transformar florestas em desertos através do discurso da paz. Ou deixar de transformar escassez em abundância pelo discurso do medo.

O perigo da floresta é o homem. As florestas urbanas se tornam perigosas pois os urbanóides pouco vivenciam esses espaços. Gostamos de áreas gramadas, cimentadas, quintais varridos. Aqueles "amantes" da natureza, em sua grande maioria, frequentam os fragmentos florestais assim como visitam um museu. Não participamos dos processos de cocriação de vida e recurso daquele espaço, somos meros visitantes, não nos enxergamos como parte. Distante da nossa função, entramos nestes espaços para fazermos um ecoturismo desagregador de energia, na maioria das vezes.

Desta forma, quando se apresenta a ideia de tentarmos criar pequenos fragmentos de florestas produtivas (agrofloresta urbana), dentro dos espaços disponíveis e ociosos da cidade, vem à tona todo o imaginário criado sobre a floresta, o medo dos "bichos" e da possível violência desse ambiente "sombrio". As pessoas não querem conviver com a floresta, querem no máximo visitá-la algumas vezes, em um dia de calor, para tomar um banho de cachoeira. Justo. Depois saem direto para churrascaria comer carne proveniente de destruição de florestas.

Porém, Agrofloresta cria AIP (áreas de inclusão permanente). Agrofloresta é inclusão social. Inclusão social é paz e não violência. Ao cocriarmos os recursos ali presentes, criamos identidade, vinculo, autonomia, passamos a fazer parte. Fazendo parte, deixa de ser estranho. Deixando de ser estranho, vivenciamos sem medo. Se não temos medo, florestas e/ou praças urbanas deixam de ser áreas remotas. Ambientes movimentados são mais seguros. Então, movimente-se.

Sendo assim, por meio do discurso da estética ou da segurança, não será possível nos frear. Traremos vida para cidade. Criaremos recursos onde havia escassez. O movimento está só começando. Agrofloresteiros de todo o Rio de Janeiro, uni-vos.